Jena, 22 de Junho de 1902
Prezado Colega,
Agradeço-lhe pela sua interessante carta de 16 de junho. Alegro-me que o Senhor esteja de acordo comigo em muitas coisas e que pretende discutir detalhadamente meu trabalho. Como o Senhor desejou, envio-lhe as seguintes separatas
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Elucidação Crítica etc.
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Sobre a Notação Conceitual de Sr. Peano
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Sobre Conceito e Objeto
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Sobre Sentido e Referência
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Sobre Teorias Formais da Aritmética
Recebi um envelope vazio cujo endereço parecia estar escrito com a sua letra. Presumo que o Senhor tinha a intenção de enviar-me alguma coisa que, por acidente, foi perdida. Se isto for o caso, então eu agradeço-lhe pela boa intenção. Envio em anexo a frente deste envelope.
Quando eu reli agora meu [livro] Begriffsschrift, vi que mudei de opinião em muitos pontos, como o Senhor irá ver se o comparar com o meu [livro] Grundgesetze der Arithmetik. Por favor, desconsidere o parágrafo de meu [livro] Begriffsschrift que começa com as seguintes palavras “Não é menos fácil reconhecer que” [Nicht minder erkennt man], uma vez que ele contém um erro, que, a propósito, não tem qualquer consequência indesejável para o resto do conteúdo do meu pequeno livro.
A sua descoberta da contradição me deixou deveras surpreso e, eu quase poderia dizer, consternado, pois, devido a ela, o fundamento no qual pensei construir a aritmética foi abalado. Por isso, parece que nem sempre é permitido transformar uma generalidade de uma identidade em uma identidade de percurso de valores (§9 de meu [livro] Grundgesetze); que minha lei V (§20, pág 36) é falsa; que minhas explicações na §31 não são suficientes para assegurar, em todos os casos, uma referência às minhas combinações de sinais. Eu deverei refletir ainda mais sobre a questão. O que é mais sério com o fracasso da minha lei V não é que isto parece minar os fundamentos da minha aritmética, mas parece solapar, em geral, o único fundamento possível da aritmética. Todavia, acredito, deve ser possível estabelecer as condições para transformar a generalidade de uma identidade em uma identidade de percurso de valores, de maneira que a essência de minhas provas seja conservada. Em todo caso, sua descoberta, embora seja indesejável à primeira vista, é bastante notável e, talvez, acarrete um grande progresso na lógica.
A propósito, a expressão “um predicado que é predicado de si mesmo” não me parece ser exata. Um predicado, como uma regra, é uma função de primeira ordem que exige como argumento um objeto e, portanto, não pode ter como argumento (sujeito) ele próprio. Ao invés disso, gostaria de dizer: “um conceito que é predicado de sua própria extensão”. Se a função Φ(ξ) é um conceito, então designo sua extensão (ou a classe pertinente) por “ε’Φ(ε)” (todavia, a justificação para isto agora se tornou, na minha opinião, duvidosa). Em “Φ(ε’Φ(ε))” ou “ε’Φ(ε)∩ε’Φ(ε)”, temos, então, a predicação do conceito Φ(ξ) de sua própria extensão.
O segundo volume do meu [livro] Grundgesetze deve aparecer em breve. Eu deverei dar-lhe um apêndice no qual sua descoberta será apreciada. Oxalá eu tivesse antes um ponto de vista correto para isso!
Meus sinceros cumprimentos
De seu devoto
G. Frege.